domingo, 24 de novembro de 2024

Crítica Cinema | Redenção

(Uma história de perguntas com respostas difíceis)


Segundo a perspectiva de quem escreve este texto, Redenção não é um filme fácil para ser visto e, ainda mais, para ser reelaborado, analisado, comentado. Já desde o início mesmo, há duas linhas escritas que começam a dar o tom complexo que tem: “Feito com base em fatos parcialmente reais”, e: “Algumas partes foram modificadas”. 

São muitíssimos os títulos que apresentam lendas similares, tanto para confirmar que foram baseados em acontecimentos e personagens reais, quanto para advertir que não há nenhum vínculo de tal natureza (esta última opção pode ser séria ou, às vezes, até uma ironia ou fuga). Nesta oportunidade, a palavra “parcialmente” chama a atenção e que “algumas partes” foram deliberadamente modificadas, cria a pergunta: quais foram alteradas?

Logicamente, é impossível um longa-metragem reproduzir a realidade. Isso já foi demonstrado por Dziga Vertov, na Ucrânia (ex-União Soviética) no ano 1929 quem, com sua teoria de ‘cinema-verdade’/ ‘cine-olho’, pretendendo registrar o que acontecia em um determinado local, paradoxalmente, evidenciou que não é possível conseguir tal resultado, pois, por exemplo, filmar o que se passa durante um dia (com sua noite respectiva) implicaria manter a câmera ligada todas essas horas. Pior ainda: assistir esse tempo todo seria pouco menos que impossível. Por isso, o próprio Vertov incorporou a montagem e diversas perspectivas de abordagem das imagens.

Não obstante estarmos advertidos de que o reflexo exato da realidade exterior é apenas uma utopia, no caso de Redenção o problema resulta mais complicado ainda, posto que vão intervir fatores de alta complexidade como são os políticos, nacionais/regionais, os anímicos/emocionais etc.

O título original deste produto espanhol é Maixabel, nome da protagonista e, também, produtora da obra. Ela foi esposa de um ex-governador no País Basco, agora assassinado por integrantes da ETA, organização ou bando - segundo seja entendido positiva ou negativamente isto, inclusive, dentro do próprio País -.

A cena inicial é sobre o crime desse homem, acontecido em um café enquanto estava conversando com outras pessoas. Chegam outros três e atiram na vítima pelas costas, sem advertência, nem dando a mínima possibilidade de defesa. A trama continua com a detenção e julgamento oficial de dois dos culpados, sendo condenados à prisão.

Por uma parte, já no cárcere, começará uma mudança na atitude deles e um arrependimento do realizado. Por outra, tentando superar ao menos em parte a dor pela morte do marido, ou procurando entender o como e o porquê, Maxibel, criará uma organização para acompanhar outros familiares de vítimas similares. Pouco tempo mais tarde, ela estenderá o objetivo também a familiares de etarras (ou presuntos), mortos injustamente por forças oficiais. Isto lhe criará dois inimigos dos quais tentará proteger-se.

A seguir acontece um fato excepcional: um dos presos solicita de maneira anônima um encontro com a viúva. Para surpresa, com uma mediadora que assume a dificílima tarefa, se produzirão duas dessas entrevistas, uma dentro dos marcos oficiais e outra em modo clandestino. Para o espectador, pode resultar interessante assistir a esta reconstrução das conversas, em especial a segunda.

O relato provavelmente não atinja emoções em boa parte dos espectadores, com exceção da última sequência. Trata-se de um relato tenso, com pessoas magoadas, sem margem para praticamente nenhuma alegria ou conforto. Inclusive as tentativas de entender o que aconteceu são muito difíceis, problemáticas, e os personagens nunca terão paz.

Resumimos o filme com o objetivo de deixar mais evidente as dificuldades ou desafios que pode trazer para os espectadores, porque há muitas perguntas, talvez sem resposta:

Está certa a luta de alguns vascos para obter sua independência de Espanha e França? O violento foi um método correto para esse momento histórico? (51 anos a partir de 1960 com 829 assassinatos, lembrando que em outubro de 2011 ETA anunciou que se dissolvia e passava a atuar de outra maneira, de acordo a uma nova etapa, sem renunciar a um País Basco “livre e socialista”).

Quem se atreve a julgar, ou o contrário, deixar de julgar, a luta pela liberdade - ou, ao terrorismo de ETA e a legítima ou ilegítima repressão dos países dominantes -?


O próprio com os encontros entre os executores e os familiares dos mortos.

Como foi, como governante, Juan Mari Jáuregui? (sem que isso possa justificar o covarde assassinato do qual foi vítima).

Os chefes do ETA eram medíocres, idiotas, como são definidos por um dos personagens da própria organização, ou só queriam a emancipação do País Basco? Ou as duas coisas?

Qual foi o papel de Espanha em todo esse conflito; qual o benefício que obtinha ao impedir a segregação do País Basco? (o que não é mencionado em Redenção).

Produção espanhola, com direção correta, ainda que sem brilhar, da madrilenha Icíar Bollaín (também corroteirista) em seu 11º longa, e atuações de Blanca Portillo (18º longa) como Maixabel, Luis Tosar, Tamara Canosa, Urko Olazábal e elenco, compõem esta obra com as características definidas ao longo deste texto. Redenção tem um roteiro que traz diversos problemas, colocando direta ou indiretamente perguntas de difícil resposta. Por exemplo: está certo ou não por parte de familiares de vítimas de crimes, tentar entender o acionar de assassinos ? É correto lutar usando violência para obter resultados que podem ser (ou não) justos, como a independência de um país ? Seja qual for, narrativamente é só aceitável.


Sinopse oficial: 
No ano 2000, o marido de Maixabel Lasa, Juan María Jaúregui, foi morto pelo ETA. Onze anos depois, ela recebe um pedido inacreditável: um dos homens que mataram Juan quer se encontrar com ela na prisão de Nanclares de la Oca, em Álava (Espanha), onde ele está cumprindo sua pena após romper com o grupo terrorista. Apesar de suas reservas e de sua imensa dor, Maixabel Lasa concorda em se encontrar cara a cara com aqueles que acabaram com a vida da pessoa que foi sua companheira desde os 16 anos de idade. Todos merecem uma segunda chance”, disse ela, quando lhe perguntaram por que estava disposta a confrontar o homem que matou seu marido. Direção: Daniela Broitman. Estreia nos cinemas brasileiros, 09 de janeiro pela Pandora Filmes.

Imagens fornecidas pelas assessorias ou retiradas da internet para divulgação/Biografias usadas são da IMDB.
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