(Co-produção muito bem realizada, com elementos intrigantes e inquietantes que fazem refletir sobre a arte, o trabalho, o amor e as relações humanas em geral)
O filme acompanha Sam Ali (Yahya Mahayni), um jovem sírio sensível e impulsivo que trocou seu país pelo Líbano para escapar da guerra. Para poder viajar para a Europa e recuperar o amor de sua vida, ele aceita ter suas costas tatuadas por um dos artistas contemporâneos mais cultuados do mundo. Transformando seu próprio corpo em uma obra de arte de prestígio, Sam perceberá, entretanto, que sua decisão pode significar qualquer coisa, menos liberdade. Elenco ainda conta com Dea Liane, Koen De Bouw, Monica Bellucci, Saad Lostan, entre outros. Direção de Kaouther Ben Hania. Distribuição nacional da Pandora Filmes. Estreia nos cinemas brasileiros em 07 de outubro de 2021. Para o trailer, clique aqui.
Um detalhe que pode chamar a atenção do espectador é que, quando Sam atravessa a fronteira, duas bandeiras (de Síria e do Líbano) que estão na fronte do limite tem as mesmas cores. De fato, oficialmente, são as da bandeira síria. Só que aqui uma das bandeiras aparece com duas estrelas, o que é correto, e a outra com o desenho de uma árvore. Tal imagem pertence à libanesa (que tem cores similares, mas não idênticas como no filme) e não à síria. É um erro grosseiro da produção ou é proposital e procura algum sentido? Qual seria o motivo? Como for, o filme tem muitas simbologias, revelando diversas leituras possíveis sobre seu significado. No exterior, o protagonista apanhará de diversas maneiras. Porém, uma drástica mudança de vida se produzirá quando Jeffrey Godefroi, um famoso pintor belga, o aborda e lhe oferece condições econômicas para poder sair definitivamente do país e viajar pelo mundo. (Outro detalhe: esse sobrenome às vezes aparece com “y” e nos créditos finais com “i”. Aliás, em uma mesma tomada, simultaneamente, com as duas letras diferentes; “i” em uma pintura; ao lado, “y”, em uma placa – 1h38’13’’-).
Em troca, Sam deverá ceder suas costas para serem pintadas por ele e exibidas em museus internacionais como obra de arte. Godefroi (um inteligente trocadilho em inglês God- Deus + from – de -) inicialmente parece propor um contrato legal, porém duvidoso eticamente. Contudo, a personagem revela-se cada vez mais como um cínico, hábil argumentador e polêmico artista. Representante de uma corrente que, ao transformar objetos comuns em obras pretensamente artísticas, Godefroi, afinal, é um artista no sentido preciso da palavra? Aliás, ele se apresenta não tanto como o Diabo senão como um moderno Mefistófeles – tradicional encarnação do mal e perverso enganador de criaturas inocentes. Por sua vez, Sam Ali (Alá?) é alastrado pelo devir dos acontecimentos na sua tarefa de ser uma hipotética obra de arte viva; e no frustrado vínculo com sua namorada – agora casada com aquele outro homem, também morando, como Sam, na Bélgica.
As situações se sucedem e, finalmente, acontecerão reviravoltas muito sugestivas. A mão de Kaouther Ben Hania, diretora e roteirista, evidencia-se cuidadosa e criativa. Não em vão O Homem que Vendeu Sua Pele foi nomeado este ano para o Oscar na categoria de melhor filme de língua não inglesa. Para além dos elementos resumidos, o fundamental dá-se em diversos níveis: como na intensidade do relato, interessante; nas imagens que derivam da boa fotografia (de Christopher Aoun), nas cenas e sequências bem editadas (Marie-Hélène Dozo), na correta atuação de Yahya Mahayni, como o protagonista; de Koen de Bouw, como o artista e de Monica Bellucci como sua secretária privada. Aliás, bom retorno às telas de esta atriz que possui uma longa carreira e reconhecida fama. Acompanha também no elenco, Dea Liane, como a atribulada mulher. No que se refere à trama, o denso conteúdo provoca o pensamento do espectador, em paralelo ao desenrolar dos acontecimentos.
Há inúmeros assuntos de fundo: até que ponto um trabalho pode ser positivo, criativo, libertador do indivíduo e qual pode ser alienante, destrutivo, escravizador? Vender uma parte do corpo é equivalente a prostituir-se? Sam estava certo quando aceitou vender as suas costas? O pintor é um especulador e se aproveita da desgraça alheia ou promove uma possibilidade legítima de obter dinheiro para ambas as partes? E no que tem a ver com Abeer, foi forçada pelas circunstâncias (religiosas, culturais, econômicas) do país e suas próprias, pessoais, a casar-se com um homem rico ao que não amava? Ou pode ser julgada negativamente pelo namorado por sucumbir a essas pressões? Ou ambos saem de uma gaiola para cair em outra, de uma forma desconfortável, porém compreensível e inevitável? Sabemos, realmente, o que fazemos quando tomamos decisões importantes em nossa vida? Ou somos vítimas de nossas próprias limitações e atribuímos fracasso a forças maiores? Será que existem forças objetivas, superiores a nós, que nos colocam em xeque? O Homem que Vendeu Sua Pele levanta todos os questionamentos mencionados, e resulta em um filme enigmático e bem estruturado.
O Homem que Vendeu sua Pele (The Man Who Sold His Skin)
Na Síria de 2011 há um casal, um homem e uma mulher apaixonados. Porém, por causa de regras religiosas e culturais, não podem manifestar seu amor. Ele, Sam Ali, decide violar tais disposições, acarretando sua prisão. Um policial lhe facilita a fuga da delegacia, mas isso não será suficiente e nem o único problema: Abeer, sua namorada, está vinculada a outro homem, poderoso e abastado. O panorama se complica e Sam deve sair de seu país e refugiar-se no Líbano. Além da situação pessoal seu próprio país sofre de uma violência extrema, onde cidades inteiras são destruídas pelos bombardeios e confrontos bélicos. Isso estará bem presente ao longo da trama.
Imagens fornecidas pelas assessorias ou retiradas da internet para divulgação/Biografias usadas são da IMDB.
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